quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA CLASSE HOSPITALAR: UMA EXPÊRIENCIA COM OS PROCESSOS DE ENSINAR E APRENDER

FELLER, Elinara Leslei – UFSM
VARGAS, Jamily Charão – UFSM

Resumo

Este trabalho é resultado da experiência voluntária realizada na Classe Hospitalar do Serviço de Hemato-Oncologia do Hospital Universitário de Santa Maria/RS (HUSM), a partir de práticas de alfabetização, com crianças em fase inicial de escolarização, que se encontravam em tratamento no hospital. Essa atividade voluntária teve início em 2002, e entre esse tempo de ensino-aprendizagem com algumas crianças, práticas diferenciadas de leitura e escrita foram envolvendo os encontros. Nessa convivência com os alunos-pacientes, muitas questões foram motivos de impulsionar cada vez mais a vontade de ensiná-los. Perceber num primeiro momento o potencial de cada um deles escondido muitas vezes atrás do desânimo, por não conseguir acompanhar a turma na escola, pelas faltas que o tratamento exige; ou, pela fragilidade que encontra sua auto-estima decorrente das limitações que a doença ocasiona; bem como, o distanciamento do convívio familiar e da sua comunidade. Tudo isso, muitas vezes, acarretava a desmotivação pelo aprender, assim como também, o abandono da escola. Contudo, a cada encontro com as crianças buscava-se atingir o objetivo de ensinar e motivar o gosto de aprender, a partir de atividades que buscassem contribuir com o resgate da autoestima, com a afetividade, com a superação das dificuldades neste tempo de tratamento, bem como o retorno para o ambiente escolar. Neste ano de 2008 será compartilhada essa experiência a partir da publicação de um livro, relatando essas práticas de alfabetização na Classe Hospitalar, apoiado num referencial teórico sobre a temática, que poderá vir a contribuir com demais docentes que tenham o interesse em realizar trabalhos como este.
Palavras-chave: Alfabetização; Práticas Educativas; Classe Hospitalar.

Introdução

O processo de ensino-aprendizagem não exige um espaço/tempo definido, ele pode acontecer em qualquer ambiente em que haja desejo de aprender. Nessa experiência que aqui é apresentada, o conhecimento foi sendo construído a partir do envolvimento com o trabalho realizado voluntariamente com crianças em fase inicial de aprendizagem, que se encontravam em tratamento na Hemato-Oncologia do Hospital Universitário de Santa Maria/RS. O trabalho de alfabetização na Classe Hospitalar buscava, além de ensinar e/ou aprimorar a aprendizagem da leitura e da escrita, resgatar o desejo, a vontade, o gosto pelo conhecimento, e a motivação pela busca do saber. Além de estimular a criatividade, a autonomia, e a superação das dificuldades encontradas nesse período de tratamento.  
Nos primeiros encontros já era possível perceber as dificuldades que o aluno-paciente encontrava nesse período de tratamento, o que para alguns, o envolvimento com o aprender tornava-se mais dificultoso, mesmo sendo uma atividade diferente dentro do espaço/tempo hospitalar. Conforme Ortiz; Freitas (2005, p.27), “O evento hospitalização traz consigo a percepção da fragilidade, o desconforto da dor e a insegurança da possível finitude. É um processo de desestruturação do ser humano que se vê em estado de permanente ameaça”.
Alguns encontros o envolvimento com as atividades de leitura e escrita era maior, enquanto que outros ficavam reduzidos pela ocasião (momento da consulta, momento da quimioterapia), além dos momentos de desconforto causado pelo tratamento.
As atividades desenvolvidas se davam com crianças que já haviam ingressado na escola, assim como também àquelas que já se encontravam com idade para ingressar na mesma, mas que pelos anos de tratamento, não conseguiram iniciar o processo de escolarização. Nessa etapa da vida, a criança em tratamento passa por situações que interferem/dificultam sua formação. Nesse sentido Ortiz; Freitas (2005) apresentam em seus estudos algumas características das crianças em tratamentos nos hospitais que se encontram nessa fase.
Para o educando do ensino fundamental, a atmosfera hospitalar aprisiona o seu físico e sua mente, não permitindo o seu livre movimento e seu ingresso escolar; sufoca-o no ócio, cria laços de dependência, invade sua privacidade e perde o direito decisório de pertencimento de seu corpo e suas vontades. (ORTIZ; FREITAS, 2005, P.33)
 
Nesse sentido, as autoras destacam a importância de conduzir atentamente o processo de internação hospitalar, pois se o mesmo não for bem trabalhado com o paciente este poderá acarretar problemas físico-emocionais dificultando o tratamento e sua recuperação.
 Além dos fatores que atingem fisicamente a criança, outros fatores como o distanciamento de sua casa, de seus amigos e o contato reduzido com as pessoas de sua família contribuem com o sentimento de abandono, de angústias, e frustrações. Além disso, a família também passa por movimentos de transição das atividades sociais para a rotina 10327 hospitalar. Ortiz; Freitas (2005, p.36) contribuem ainda que “O adoecer configura-se em um fator provocador de desajustes na criança e na sua família, precipita um reconhecimento da limitação e ataques a seu corpo, ameaçando os aspectos vitais e remontando suas experiências a partir de um novo contexto situacional”. O novo ambiente em que passa a fazer parte de suas vidas, em muitos casos, duram por longos anos, sendo este um novo espaço de convivência com outros pacientes, e comunidade hospitalar. Esse espaço rotineiro constitui também um espaço de ansiedade de saber quando isso irá acabar. 
Além das consequências causadas pela doença, outro fator que contribui para o abando da escola, ou o distanciamento do aprender foram visíveis a partir dessa experiência, quando as crianças relatavam que não gostavam de retornar a escola, devido às faltas decorrentes da rotina hospital, e, até mesmo, mudança de cidade, acabavam não acompanhando a turma, dificultando o aprendizado. A partir desses relatos foi possível perceber que se sentiam excluídos. Essa circunstância ultrapassava os esforços da professora regente, sendo uma realidade presente na vida de muitas crianças internadas. 
 A partir dessas questões que o objetivo deste trabalho de alfabetização no ambiente hospitalar foi tornando-se cada vez mais relevante. Resgatar o interesse pelo aprender e pelo ingresso e reingresso no ambiente escolar, bem como nas atividades sociais veio a ser um fator que impulsionou este trabalho, que foi realizado em diferentes momentos e com diversas crianças em tratamento no HUSM. Além disso, as contribuições de Ceccim (1999, p.44) também revelam a importância do ensino-aprendizagem no ambiente hospitalar. “Parece-me que, para a criança hospitalizada, o estudar emerge como um bem da criança sadia e um bem que ela pode resgatar para si mesma como um vetor de saúde no engendramento da vida, mesmo em face do adoecimento e da hospitalização”. O estudar passa a contribuir para vencer muitas angústias e encarar a doença como uma etapa a ser superada e não como uma barreira que impede de viver, ter anseios, depositando esperança e retorno ao grupo que anteriormente pertencia ou que futuramente irá fazer parte.
 As práticas de construção da leitura e escrita no ambiente hospitalar foram ao encontro das experiências na formação da docência e na reorientação e atenção nas atividades desenvolvidas com as crianças, bem como, na responsabilidade de fazer parte de um relacionamento em que são depositados confiança e expectativas.
Esta possibilidade do educador de pertencimento a dois mundos – o escolar e o hospitalar – opera na vertente psicossocial de não-isolacionismo da criança na condição de doente, sem, contudo, desconhecer a sua real condição de doente. É um cuidado que permite uma ruptura no reducionismo do pensar a enfermidade. O professor, sensível ao estado conflituoso do paciente, reveste sua ação de educar num ato de companheirismo, de disponibilidade para estabelecer parcerias e cumplicidades. (ORTIZ; FREITAS, 2003, P.11)
 
Nos momentos de interação entre aluno-paciente e professor que são construídos laços afetivos e de comprometimento, na busca de atribuir o sentido de aprender, encontrando estratégias para a superação das dificuldades, que contribuem para o desânimo de continuar aprendendo. Além disso, é relevante desmistificar que o ambiente de aprendizado é apenas a escola. O hospital também pode ser um lugar onde muitos conhecimentos podem ser produzidos, inclusive conhecer e envolver-se no mundo da leitura e da escrita. Nesse sentido, traz-se aqui nessa escrita um recorte histórico sobre a Alfabetização e Letramento, com o intuído de aproximar as principais discussões referentes a essas temáticas, levando em conta que os processos de ensinar/aprender estão associados com o entrelaçar da teoria e prática. Bem como a importância da ludicidade e da afetividade no ambiente hospitalar.
Uma aproximação dos processos de Alfabetização e Letramento.
Ao longo dos anos os estudos referentes à alfabetização, e mais especificamente, ao sucesso e fracasso deste processo significativo na vida e no desenvolvimento social das crianças, se deteve nos métodos utilizados pelos docentes nas suas práticas educativas. Frente a isso, são muitas as teorias existentes, as quais sustentam premissas que demonstram o método mais eficaz ou a melhor metodologia utilizada para aplicação de determinadas técnicas ou estratégias que buscam o aprendizado da leitura e da escrita. Como afirma Ferreiro (1985, p.18) “o problema da aprendizagem da leitura e da escrita tem sido exposto como uma questão de método”.
 Assim, percebemos que o questionamento tradicionalmente evidenciado nos estudos é o de como devemos ensinar nossas crianças e adultos ainda analfabetos, ou seja, qual o melhor maneira para que possamos, como educadores, alcançar o sucesso no ensino-aprendizagem da língua escrita. Para tanto, ao falarmos da alfabetização, colocamos no centro de nossa atenção, as metodologias, ou os próprios professores, que têm em suas mãos a possibilidade de fazer com que a criança se aproprie do conhecimento da leitura e da escrita.
Ao longo da história ficaram registrados dois grandes grupos em que se classificam os métodos de alfabetização, segundo Rizzo (1977), em “Métodos Sintéticos” e “Métodos Analíticos”. O primeiro grupo utiliza-se da idéia de apropriação da leitura e da escrita a partir de um movimento que parte dos elementos menores para o todo, e tem como base do aprendizado a combinação de elementos isolados (sons, letras, sílabas etc.); já o segundo grupo destaca as unidades maiores (palavras, frases, textos, histórias etc.) para chegar à apropriação dos elementos menores, tendo como base a análise e compreensão da leitura desde cedo.
Destes grupos de métodos existentes, Rizzo (1977) destaca entre os métodos sintéticos: o “Método Alfabético”, o “Método Fônico” e o “Método Silábico”; e entre os métodos analíticos: a “Palavração”, a Setenciação”  e o Método Historiado”, assim como também o “Método Natural” considerado além de global, estruturalista. Tais métodos fizeram parte por vários anos na história da alfabetização no Brasil.
No entanto, na década de 80 discutir a eficácia entre tais métodos deixou de ser o centro das discussões sobre alfabetização, voltou-se outro olhar sobre o processo de aquisição da leitura e da escrita. A partir das ideias de Ferreiro e Teberosky (1985) sobre a Psicogênese da Lecto-Escrita, um novo discurso começou a surgir no conceito de alfabetização. Através desta abordagem “Construtivista” passou-se então a serem valorizadas as hipóteses de aprendizagem construídas pela criança na aquisição da leitura e da escrita.  
Essa perspectiva de ensino-aprendizagem destaca-se pela maior aproximação da realidade cultural, social e cotidiana do discente. A abordagem construtivista tem como centro da aprendizagem a construção de conhecimentos pelo próprio indivíduo que está aprendendo, ou seja, os alunos são vistos como produtores de seus saberes e conhecimentos, o que os coloca em uma posição de mais importância e responsabilidade.
Desse modo, as mudanças fundamentais ocorridas no processo de alfabetização provêm, principalmente, da desmistificação da premissa de que a utilização do método mais eficaz resolve os problemas referentes ao ensino-aprendizagem da leitura e escrita, bem como da desmistificação da ideia que a alfabetização é um processo unicamente formal, que ocorre apenas dentro da sala de aula, da escola, e inicia-se quando o professor acredita que o aluno está apto. 
Ao longo da primeira infância a criança vai percebendo a existência e a importância da leitura e da escrita, bem como construindo suas hipóteses de aprendizagem. Assim, quando ela realiza o contato formal com a lecto-escritura, não podemos ignorar todas as suas vivências até então, mas utilizá-las como um valioso suporte para a alfabetização, pois é um processo que vem acontecendo continuamente, através do contato em ambientes letrados. Como salienta Macedo (1994, p. 17) “para o construtivista a criança já sabe escrever desde o primeiro dia de aula, ainda que esse seu saber venha a conhecer muitos aperfeiçoamentos...”.
Contudo, a alfabetização ao longo dos tempos passou por diversas transformações com o intuito de contemplar um eficaz ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, para tanto, no final dos anos 80 outra dimensão conceitual na definição de alfabetização surge no Brasil.
Segundo Soares (2006, p.18), na necessidade de novas práticas de leitura e escrita no contexto social, surge então o “Letramento” definido como sendo “O resultado da ação de ensinar e de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquiri um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter se apropriado da escrita”. Tal conceito vai além de aprender codificar e decodificar a língua escrita, para a autora um indivíduo letrado passa a ser aquele que além de compreender tais códigos saiba envolver-se nas práticas sociais de escrita. 
Nesse sentido muitas mudanças centram-se na história da alfabetização, e novos desafios são lançados diariamente frente a essa questão, conhecermos seu processo ao longo dos anos torna-se relevante para que possamos perceber sua evolução e experiências até então. Portanto, a preocupação não é definirmos seu conceito, mas a partir dele construir estratégias que contemplem um aprendizado prazeroso, que instigue cada vez mais o gosto pela leitura e pela escrita, que vá além da interação professor aluno, que o aluno tenha habilidades para exercer as práticas de leitura e escrita a qualquer hora e a qualquer lugar. 

Encontros no hospital: a construção das práticas de leitura e escrita

As atividades para a construção da leitura e escrita no ambiente hospitalar se davam a partir de encontros semanalmente. Ao denominar esses espaços/tempos de aprendizagem como “encontros”, toma-se como justificativa a contribuição de Ortiz; Freitas (2005, p.68) quando salientam que, “Há, na classe hospitalar, uma proximidade maior entre professor e paciente, a troca de afetividade passa a ter relevância na cognição, por isso as relações assumem um caráter de encontro”. É nessa relação que foram sendo construídos os processos de aquisição do conhecimento do mundo da leitura e da escrita.
Ao mencionar tais encontros como “construção das práticas” de leitura e de escrita, destaca-se que, a cada encontro, estratégias de aprendizados eram utilizadas, a partir de um planejamento flexível, aberto às circunstâncias que o momento apresentava. Para cada aluno, dentro da sua aprendizagem já consolidada, atividades distintas eram organizadas, e usufruídas quando estas impulsionavam a motivação pelo aprender, caso contrário, as atividades propostas eram reelaboradas e/ou substituídas por outras. 
Nessas práticas de alfabetização, a metodologia utilizada partia do conhecimento prévio do aluno. Àqueles que ainda não conheciam o sistema alfabético, partiu-se do processo inicial de alfabetização. Para aqueles que já haviam frequentado a escola, partia-se da etapa que se encontravam buscando contribuir com o ensino daquilo em que apresentavam maiores dificuldades. Tanto para as crianças que já interagiam com o sistema alfabético, como àquelas que ainda não o conheciam, foram sendo realizados planejamentos a partir de atividades lúdicas, como utilização e confecção de jogos, exploração de diferentes portadores de texto, desde livros infantis, até aqueles portadores presentes na rotina hospitalar. Além disso, desenhos tomavam formas de fantoches que ganhavam vidas no cenário que a imaginação viajava. Dobraduras, pinturas, quebra-cabeças, cartões, recortes, colagens, contos, poesias, leituras em voz alta, silenciosa, individual e em conjunto, passeio nos corredores do hospital, tudo isso, fez parte destes encontros.
As atividades que envolveram a construção e o aprimoramento de leitura e escrita nos encontros foram desenvolvidas respeitando as hipóteses de aprendizagens, conforme Ferreiro; Teberosky (1985), que cada aluno-paciente se encontrava, atribuindo também as questões de letramento, tendo em vista o uso da leitura e da escrita nas práticas sociais, conforme mencionada anteriormente nas contribuições de Soares (2006).

Ludicidade e afetividade no processo de ensinar e aprender

Ao refletirmos sobre o ensino-aprendizagem da língua escrita, logo nos reportamos ao processo organizado, em um tempo e lugar específico, onde acontecerão mediações entre professores e alunos, para que a partir destas relações, se elaborem novos conhecimentos e se construam aprendizagens dando continuidade a tudo o que a criança, até então, já entende da leitura e escrita. 
Nesse sentido, a alfabetização aparece como uma construção significativa para o alfabetizando, como algo que ocorre pelo prazer de aprender. No entanto, sabemos que nem sempre o processo ocorre da maneira desejada, pois há muitos obstáculos ao longo caminho por onde passa o processo de alfabetizar. Nem sempre os alunos se envolvem e se motivam a aprender a leitura e escrita como deseja o educador, ou nem sempre o docente se compromete com esta importante tarefa de alfabetizar, de maneira que permaneça no aluno aquela vontade de ler e escrever que a crianças traz consigo. 
Muitas vezes, ocorre o processo contrário no decorrer da formalização do ensino-aprendizagem da língua escrita, pois a criança acaba perdendo todo o encantamento de aprender devido a forma como a leitura e escrita lhe é apresentada. Quanto a isso Antunes (2007, p.83) nos coloca que “o aprender nessa concepção começa a distanciar-se da esfera do desejo, da curiosidade, da fantasia e da dimensão simbólica, definindo uma concepção árida e empobrecida do que significa aprender e ensinar”. Essa nova percepção do aprender, por vezes, estabelece uma desmotivação e desinteresse pela aprendizagem da leitura e escrita nas crianças.
O que se refere aos docentes, Ferreiro (2001, p.69) contribui destacando que “não é fácil encontrarmos educadores e investigadores capazes de interpretar todas as sutilezas envolvidas nas produções escritas que precede qualquer tentativa de estabelecer uma correspondência entre letra e som”. Mais do que saber associar as letras ao som e reconhecer a escrita como uma representação simbólica da oralidade, as crianças buscam formular significados e entender de uma maneira contextualizada este objeto de apropriação no qual se torna a escrita para os alfabetizandos. 
Acreditamos que a alfabetização é um processo que requer envolvimento, doação, vontade e satisfação de ambas as partes, tanto professores como alunos, pois só assim será realizada de maneira prazerosa, sem se distanciar do mundo de fantasias, curiosidade e desejos em que se encontra a infância. Para tanto, é fundamental que esse processo respeite o mundo infantil e, mais que isso, é necessário que envolva as crianças de maneira que a aprendizagem não se torne maçante ou sem sentido a elas.
Ao refletirmos sobre o que fazer para que a aprendizagem da leitura e escrita aconteça aliada ao desejo espontâneo, à construção significativa e prazerosa, reportamo-nos a algo que, sem dúvida, rebusca o princípio da infância: a ludicidade. Como afirma Fortuna (2000, p.82) “Cada vez mais as pedagogias progressistas professam a tese de que é possível aprender brincado, ou, pelo menos, fazê-lo de forma prazerosa; o que frequentemente, culmina na ludicidade”. Assim, a partir de atividades lúdicas, estabelece-se um elo entre o prazer e o aprender, entre o ensinar e o buscar significado.
Também é importante destacar a relevância do lúdico para o desenvolvimento pleno da criança, o que ultrapassa a sua validade pela busca do prazer em aprender. Como aponta Negrine (2000, p.20) “através das atividades lúdicas a criança vai construindo seu vocabulário lingüístico e psicomotor. São nestas e, provavelmente, somente nestas atividades, que a criança pode ser espontânea e, consecutivamente, criativa”. Para tanto, a partir da crença de que a utilização e valorização de jogos e brincadeiras facilitam a aprendizagem, buscamos estabelecer o lúdico não apenas como uma mediação no processo de alfabetização, mas, mais que isso, como algo fundamental no decorrer da formação de hipóteses e construções criativas das crianças sobre a linguagem escrita.
A construção do conhecimento envolve inúmeros processos que são indissociáveis para que assim haja a aprendizagem. Nesse ato complexo do ensinar e aprender a ler e escrever requer também um olhar aos aspectos afetivos que compreende a formação humana.
Para Tassoni (2001), nos últimos anos diversos estudos voltaram-se a atenção para a formação do ser humano como o entrelaçar dos processos cognitivos e afetivos, voltando-se a novas atividades pedagógicas. Tassoni (2001, p.224), “(...) Nesse sentido começa a se evidenciar o aspecto afetivo do processo de ensino/aprendizagem e destaca sua relevância para o processo de construção do conhecimento, em conjunto com os aspectos cognitivos”.
Essa evidência passou a fazer parte de muitos questionamentos, pois o que muito tempo prevaleceu eram estudos referentes aos aspectos cognitivos do desenvolvimento humano. Contudo, nos últimos anos ampliou-se as discussões  e o interesse em compreender a importância da afetividade no processo de aquisição da aprendizagem.
Nesse sentido, muitos estudiosos como Jean Piaget (2001), Lev Semenovich Vygotsky (1996), cada um dentro de suas concepções, defendem a ideia de que a afetividade e a cognição são inseparáveis. Também se torna relevante mencionar as contribuições de Humberto Maturana (1998, p.15) o qual menciona que “ao nos declararmos seres racionais vivemos uma cultura que desvaloriza as emoções, e não vemos o entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção, que constitui nosso viver humano, e não nos damos conta de que todo sistema racional tem um fundamento emocional”. Para o autor, a biologia do amor faz parte do devir histórico humano, sendo ele a emoção que funda o social, o respeito por si próprio e pelo o outro.
Contudo, muitos enfoques frente essa questão envolvem as atuais discussões educacionais, não prevalece aqui o intuito de aprofundá-los, mas de aproximar os estudos e a relevância desse processo à nossa compreensão. Tais contribuições já esclarecem a nova concepção do como se estabelecem os processos de aquisição do aprendizado. O processo de ensinar e aprender volta-se a questões que ultrapassam a mera transmissão das informações, pois para que haja realmente o aprendizado, a construção do conhecimento, o aluno precisa querer, precisa entender o porquê aquilo é importante para sua formação. Conforme Gadotti (2003, p.47) “A educação é necessária para a sobrevivência do ser humano. (...) Ele só aprende quando quer aprender, quando vê na aprendizagem algum sentido”. Frente a isso cabe a nós, educadores, estabelecermos relações de aceitação, de bem estar e credibilidade aos alunos para que estes sintam-se auto-confiantes e motivados. Respeitarmos as vivências, a realidade e as individualidades de cada um. O educador deve ser o mediador do conhecimento e do despertar o desejo e o sentido do aprender. 
Os espaços e tempos de aprendizagem para crianças ou adolescentes hospitalizados seguem regularidade e intesidade diferentes da escola comum e atendem, além das demandas intelectuais, às necessidades de pertencimento a uma comunidade afetiva e de inclusão sociointerativa. (CECCIM; FONSECA, 1999, p.36) 
É na interação com o ambiente letrado, oportunizado nos encontros e nas demais atividades voluntárias, e na interação com a comunidade hospitalar, a partir da atenção, carinho, respeito, diálogo, que o aprendizado acontece. Esse processo contínuo contribui na recuperação, e nas aspirações de sonhos presentes e futuros de cada criança hospitalizada.
   

Conclusão 

Em todos os encontros com as crianças hospitalizadas buscava-se priorizar o bem estar e a motivação pelo aprender, pelo viver. Tomam-se aqui as contribuições de Ortiz; Freitas (2003, p.10) “O que-fazer docente atenta para a singularidade do aluno, acenando para um processo de ensino permeado de afetividade e alegria de viver, fazendo do hospital um espaço de teoria em movimento permanente de construção-descontrução-reconstrução”.
Essa experiência foi recheada de momentos significativos, em que o ensinar e o aprender foram recíprocos na trajetória do professor e do aluno-paciente. Cada encontro foi uma conquista para ambos.
Encontros que tiveram seu espaço nas salas dos médicos, nos leitos das salas de transplante, na mesa dos guardas e nos bancos de espera do hospital. Espaço para os encontros nunca foi o problema, pois o carinho, a cumplicidade entre professor e aluno-paciente foi transformando os espaços mórbidos do hospital em ambiente de aprendizado, de alegria, de esperança, de envolvimento, de entusiasmo e de superação de muitos problemas físico-emocionais que prejudicavam ainda mais a recuperação destes pacientes. Dificuldades existiram, mas a vontade de ensinar e aprender aliados a ludicidade e a amorosidade foram fatores fundamentais para o aprendizado e o retorno desses alunos às classes escolares do Sistema Regular de Ensino, não mais como aquele aluno que estava em atraso com o conteúdo, mas como aquele aluno criativo, autônomo, considerado conforme o relato dos pais, como um dos melhores alunos da turma. 
Contudo, essa escrita além de apresentar a experiência desenvolvida na Hemato-Oncologia do Hospital Universitário de Santa Maria, tem o interesse em compartilhar esse trabalho e mostrar que o processo de ensinar e aprender pode acontecer em qualquer lugar, desde que haja interação, criatividade, amorosidade e comprometimento. 

REFERÊNCIAS

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ORTIZ, Leodi Conceição Meireles; FREITAS, Soraia Napoleão. Classe hospitalar: espaço de possibilidades pedagógicas. Caderno de Ensino, Pesquisa e Extensão. Centro de Educação/UFSM, n.54, p. 01-02, fev. 2003.
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VYGOTSKY, L. S. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Vídeos - Intertextualidade

Poema de Sete Faces - Samuel Rosa

O TEXTO COMO CENTRO DAS EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DA LÍNGUA -UMA PROPOSTA SOBRE VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS E A INTERTEXTUALIDADE

A professora iniciou a oficina com o video “Quixeramobim”, que apresenta um texto oral de um locutor de radio. Pediu para que os professores dessem sugestões de como trabalhar a linguagem coloquial a partir desse texto.

Em seguida, fizeram a leitura do texto “Nóis mudemo”, em forma de dramatização, e realizaram uma reflexão sobre os Lúcios que são barrados nas salas de aula por não terem uma linguagem próxima da que se fala na escola.

TEXTO: "NÓIS MUDEMO"

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, todo poesia e misticismo.
Mas minha alma estava profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um episódio que parecia tão banal... Tentei dormir. Inútil. Meus olhos percorriam a paisagem enluarada, mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e trágico.
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
- Por que você faltou esses dias todos?
- É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
- Não se diz "nóis mudemo", menino! A gente deve dizer: "nós mudamos", tá?
-Tá, fessora!
No recreio, as chacotas dos colegas: "Oi, nóis mudemo!" "Até amanhã, nóis mudemo!" No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
- Pai, não vô mais pra escola!
- Oxente! Modi quê?
Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da meninada! Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapazola tinha partido no dia anterior para a casa de um tio, no sul do Pará.
- É, professora, meu fio não aguentou as gozação da meninada. Eu tentei fazê ele continua, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di té ficado na fazenda côa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi.
O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.
Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
- O que é, moço?
- A senhora não se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos anos de sacerdócio, digo, de magistério. Tudo escuro.
- Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
- Eu sou "Nóis mudemo”, lembra?
Comecei a tremer.
- Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo seu nome?
- Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa.
- O que aconteceu com você?
- O que aconteceu? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia-fria, um "gato" me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi. Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante às veis fais coisa sem querê fazé. A escola fais uma farta danada. Eu não devia de té saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui fala direito. Ainda hoje não sei.
- Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz, que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de mim suavemente.
- Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.
- Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.
Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos... Superusada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna - a língua que a criança aprendeu com seus pais, irmãos e colegas - e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.
E os lúcios da vida, os milhares de lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o professor quisesse dizer: "Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra! E siga desarmado pelo matadouro da vida..."
(Fidêncio Baga)

Após, discutiram os principais pontos a respeito do objeto TEXTO
  • Todas as nossas interações se processam por meio de textos.
  • Texto é toda e qualquer unidade de informação, no contexto da enunciação.
            Nesse sentido, os textos aparecem nas mais diversas linguagens, classificando-se em verbais e não-verbais.
·        O texto independe de extensão.
·        O texto verbal pode apresentar-se na linguagem oral ou na linguagem escrita.
·        Leitura é o processo de atribuição de significado a qualquer texto, em qualquer
linguagem.
  • O ensino-aprendizagem de qualquer língua deve dar-se com o uso de textos, porque é por meio deles que pensamos e interagimos.
  • O texto deve ser o centro de todas as atividades que envolvem o ouvir, o falar, o ler e o escrever.
Da mesma forma, a análise linguística só pode ser significativa para os alunos, se apoiada em textos que contextualizam cada uso do vocabulário e da morfossintaxe.

1 - Os processos intertextuais que envolvem o texto inteiro:
a) paráfrase: acompanha de perto o texto original, como ocorre nos resumos, adaptações e traduções;
b) paródia: inverte ou modifica a narrativa, sua lógica, sua idéia central. Em geral, é crítica;
c) pastiche: procura aproveitar a estrutura, o clima, determinados recursos de uma obra.
2 – Os processos intertextuais pontuais que retomam um ou alguns elementos do texto:
a) citação: consiste em apresentar um trecho, um dado da obra. O segundo texto procura deixar claro o texto original. No caso do texto verbal, o autor do original é indicado;
b) epígrafe: tem as mesmas características da citação, mas tem localização fixa: aparece sempre como abertura do segundo texto;
c) referência: é a lembrança de passagem ou personagem de outro texto;
d) alusão: é o aproveitamento de um dado de um texto, sem indicações ou explicitações.
A intertextualidade é a presença, subjacente ao nosso texto, de outras vozes e outros textos, com os quais dialogamos o tempo todo, mesmo sem ter consciência disso. Apesar de ser enfocada sobretudo nas artes e ser um estudo relativamente recente, a intertextualidade sempre esteve presente em todas as interações humanas.

A Intertextualidade pode ser definida como um diálogo entre dois textos. Observe os dois textos abaixo e note como Murilo Mendes (século XX) faz referência ao texto de Gonçalves Dias (século XIX): 
 
Canção do Exílio  
"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, 
Não gorjeiam como lá. 

Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida
Nossa vida mais amores. 

Em cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer encontro eu lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá. 

Minha terra tem primores, 
Que tais não encontro eu cá; 
Em cismar — sozinho, à noite — 
Mais prazer encontro eu lá; 
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá. 

Não permita Deus que eu morra, 
Sem que eu volte para lá; 
Sem que desfrute os primores 
Que não encontro por cá; 
Sem qu’inda aviste as palmeiras, 
Onde canta o Sabiá." 

Gonçalves Dias
Canção do Exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Os poetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a 
                                                      [ Gioconda 
Eu morro sufocado 
em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia. 

Ai quem me dera chupar uma carambola de 
                                        [ verdade 
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 
                                             
               Murilo Mendes


    
     
      
   

    
    

Nota-se que há correspondência entre os dois textos. A paródia-piadista de Murilo Mendes é um exemplo de intertextualidade, uma vez que seu texto foi criado tomando como ponto de partida o texto de Gonçalves Dias. 

Na literatura, e até mesmo nas artes, a intertextualidade é persistente. Veja o texto de Luís Fernando Veríssimo, por exemplo, a respeito do conto de fadas "A princesa e o sapo":


CONTO DE FADAS DO SÉCULO XXI

Era uma vez, numa terra muito distante uma linda princesa independente e cheia de auto-estima que, enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago de seu castelo estava de acordo com as conformidades ecológicas, se deparou com uma rã. Então a rã pulou no seu colo e disse:
- Linda princesa, eu já fui um príncipe muito bom. Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformou-me nessa rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo e poderemos casar e constituir um lar feliz em teu lindo castelo. A minha mãe pode vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavarias as minhas roupas, criarias os nossos filhos e viveríamos felizes para sempre!
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã à sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria e pensava:
“NEM FUDENDO”


Sabemos que todo texto, seja ele literário ou não, é oriundo de outro, seja direta ou indiretamente. Qualquer texto que se refere a assuntos abordados em outros textos é exemplo de intertextualização.

A intertextualidade está presente também em outras áreas, como na pintura, veja as várias versões da famosa pintura de Leonardo da Vinci, Mona Lisa:

Mona Lisa, Leonardo da Vinci. Óleo sobre tela, 1503.

Mona Lisa, de Marcel Duchamp, 1919.
 
Mona Lisa, Fernando Botero, 1978.

Mona Lisa, propaganda publicitária.

Por Marina Cabral
Especialista em Língua Portuguesa e Literatura 
Equipe Brasil Escola

 Em seguida, houve o trabalho com a intertextualidade a partir MonicalisaChico-Esfinge, Cebolinha  O Pensador (De Planos Infalíveis!) e Magali e Mônica de Rosa e Azul, todas de Mauricio de Souza.
 
     
 
Para explorar a intertextualidade entre a obra original  e as paródias de Mauricio de Souza, a professora colocou as duas imagens juntas na mesma página e foi perguntando se eles conheciam a tela, o pintor, o ano, o país, o porque da obra ser importante e ser conhecida mundialmente ....a maioria não conhecia as telas. Levou, então, as informações sobre cada obra; Monalisa, de Leonardo Da Vinci, a figura da Esfinge, no Egito, a escultura do O Pensador, do francês Auguste Rodin e Rosa e Azul, de Renoir.
Os professores gostaram muito da proposta de trabalho, pois partindo de personagens conhecidos deles você oportuniza a apropriação de conhecimentos sobre arte, grandes obras, fruição da obra, ou seja, apreciação significativa da obra, reflexão (contextualização histórica ) e produção (fazer artístico).
Foi entregue a eles os textos:  Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, Fita Verde no cabelo, de Guimarães Rosa e Chapeuzinho Vermelho de raiva, de Mario Prata – todos são paródias do conto Chapeuzinho Vermelho - para que trabalhem com os alunos.

Fita Verde no Cabelo - João Guimarães Rosa

    Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita inventada no cabelo.
    Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita - Verde  partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar fambroesas.
    Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então ela, mesma, era quem dizia: "Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou". A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
    E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto passa por elas passa. Vinha sobejadamente.
    Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
    - "Quem é?"
    - "Sou eu..." - e Fita Verde descansou a voz. - "Sou sua linda netinha, com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou."
    Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a abençoe."
    Fita Verde assim fez, e entrou e olhou.
    A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar apagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: - "Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo."
    Mas agora Fita Vede se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
    - "Vovozinha, que braços tão magros, os  seus, e que mãos tão trementes!"
    - "É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta...." - a avó murmurou.
    - "Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados".
    - "É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta..." - a avó suspirou.
    - "Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?"
    - "É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...." - a avó ainda gemeu.
    Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
    Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..."
    Mas a avó não estava  mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

Chapeuzinho Vermelho de Raiva - Mario Prata

- Senta aqui mais perto, Chapeuzinho. Fica aqui mais pertinho da vovó, fica.
- Mas vovó, que olho vermelho... E grandão... Queque houve?
- Ah, minha netinha, estes olhos estão assim de tanto olhar para você. Aliás, está queimada, heim?
- Guarujá, vovó. Passei o fim de semana lá. A senhora não me leva a mal, não, mas a senhora está com um nariz tão grande, mas tão grande! Tá tão esquisito, vovó.
- Ora, Chapéu, é a poluição. Desde que começou a industrialização do bosque que é um Deus nos acuda. Fico o dia todo respirando este ar horrível. Chegue mais perto, minha netinha, chegue.
- Mas em compensação, antes eu levava mais de duas horas para vir de casa até aui e agora , com a estrada asfaltada, em menos de quinze minutos chego aqui com a minha moto.
- Pois é, minha filha. E o que tem aí nesta cesta enorme?
- Puxa, já ia me esquecendo: a mamãe mandou umas coisas para a senhora. Olha aí: margarina, Helmmans, Danone de frutas e até uns pacotinhos de Knorr, mas é para a senhora comer um só por dia, viu? Lembra da indigestão do carnaval?
- Se lembro, se lembro...
- Vovó, sem querer ser chata.
Ora, diga.
- As orelhas. A orelha da senhora está tão grande. E ainda por cima, peluda. Credo, vovó!
- Ah, mas a culpada é você. São estes discos malucos que você me deu. Onde á se viu fazer música deste tipo? Um horror! Você me desculpe porque foi você que me deu, mas estas guitarras, é guitarra que diz, não é? Pois é; estas guitarras são muito barulhentas. Não há ouvido que agüente, minha filha. Música é a do meu tempo. Aquilo sim, eu e seu finado avô, dançando valsas... Ah, esta juventude está perdida mesmo.
- Por falar em juventude o cabelo da senhora está um barato, hein? Todo
desfiado, pra cima, encaracolado. Que qué isso?
- Também tenho que entrar na moda, não é, minha filha? Ou você queria que
eu fosse domingo ao programa do Chacrinha de coque e com vestido preto com bolinhas brancas?
Chapeuzinho pula para trás:
- E esta boca imensa???!!!
A avó pula da cama e coloca as mãos na cintura, brava:
- Escuta aqui, queridinha: você veio aqui hoje para me criticar é?!
Chapeuzinho Amarelo


Era a Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.

Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada, nem descia.
Não estava resfriada, mas tossia.
Ouvia conto de fada, e estremecia.
Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.

Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol, porque tinha medo da sombra.

Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.
Era a Chapeuzinho Amarelo…

E de todos os medos que tinha
O medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheio de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.

Mesmo assim a Chapeuzinho
tinha cada vez mais medo do medo do medo
do medo de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.

E Chapeuzinho amarelo,
de tanto pensar no LOBO,
de tanto sonhar com o LOBO,
de tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele
que era assim:
carão de LOBO,
olhão de LOBO,
jeitão de LOBO,
e principalmente um bocão
tão grande que era capaz de comer duas avós,
um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz…
e um chapéu de sobremesa.

Finalizando…
Mas o engraçado é que,
assim que encontrou o LOBO,
a Chapeuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo:
o medo do medo do medo do medo que tinha do LOBO.
Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.

O lobo ficou chateado de ver aquela menina
olhando pra cara dele,
só que sem o medo dele.
Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco-azedo,
porque um lobo, tirado o medo, é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pelo.
Um lobo pelado.
O lobo ficou chateado.

Ele gritou: sou um LOBO!
Mas a Chapeuzinho, nada.
E ele gritou: EU SOU UM LOBO!!!
E a Chapeuzinho deu risada.
E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!!!!!!!!

Chapeuzinho, já meio enjoada,
com vontade de brincar de outra coisa.
Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO
umas vinte e cinco vezes,
que era pro medo ir voltando e a menininha saber
com quem não estava falando:
LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO

Aí, Chapeuzinho encheu e disse:
"Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!"
E o lobo parado assim, do jeito que o lobo estava, já não era mais um LO-BO.
Era um BO-LO.
Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo de Chapeuzim.
Com medo de ser comido, com vela e tudo, inteirim.
Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo,
porque sempre preferiu de chocolate.

Aliás, ela agora come de tudo, menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva, nem foge de carrapato.
Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato,
Trepa em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha,
com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro,
com a sobrinha da madrinha
e o neto do sapateiro.

Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira.
E transforma em companheiro cada medo que ela tinha:

O raio virou orrái;
barata é tabará;
a bruxa virou xabru;
e o diabo é bodiá.

FIM
( Ah, outros companheiros da Chapeuzinho Amarelo:
o Gãodra, a Jacoru,
o Barãotu, o Pão Bichôpa…
e todos os tronsmons).



Por último, foi entregue, também, os textos: Poema de sete faces, de Carlos Drummond de andrade, Com licença poética, de Adelia Prado, Até o fim, de Chico Buarque de Holanda, Let’s play that, de Torquato Neto e Anjo, de Sidnei Olívio. A partir do poema de Carlos D. de Andrade os outros escritores fizeram paródias.

Poema de sete faces - Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Com Licença Poética - Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
– dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Até o fim - Chico Buarque
Quando eu nasci veio um anjo safado
O chato "dum" querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

"Inda" garoto deixei de ir à escola
caçaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim

Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim

Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que vou
Mas vou até o fim

Como já disse é um anjo safado
O chato "dum" Querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim


Let's play that - Torquato Neto
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that


Anjo - Sidnei Olivio
"Quando nasci um anjo torto", manco
quase morto, veio ler a minha mão.
Era um anjo muito torto, torto, torto,
mas era muito diferente, é claro
do anjo de Drummond.
Era um anjo bem barroco
rouco, rouco, rouco
com asas de avião…
Era um anjo disfarçado
pirado, endiabrado,
era um anjo beberrão…
Era um anjo muito pouco
louco, louco, louco,
solto na imensidão…
Era um anjo mascarado,
herói, cruel, tarado
um anjo gavião. 
E eu caí na ribanceira
num tropeço da fogueira
me esborrachei no chão…
Na pista do aeroporto
foi onde acharam meu corpo
sobre um rastro de avião…
Não sei o que aconteceu
mas acho que esse anjo era eu…
Ficou uma pena no chão.
Era um anjo cartomante,
um cigano, um farsante
não sacava de ler mão…
Era um anjo incompetente,
vilão, indiferente,
não me disse nada não…


A atividade proposta era, em grupos de três, elaborarem um plano de aula para trabalhar a intertextualidade.
Depois houve a socialização das propostas, que ficaram muito boas,  e a professora apresentou uma sugestão de interpretação dos poemas.